Continuando a série sobre minha viagem a Bordeaux, a minha segunda
visita foi para o prestigiado Château
Pontet-Canet, Grand Cru Classé de Pauillac.
Ao longo de 2 séculos de história a vinícola pertenceu a 3
nobres dinastias e hoje é comandada pela família Tesseron, mesma proprietária
do prestigiado Château Lafon-Rochet
(Grand Cru Classé de Saint Estephe, veja aqui) e famosa produtora de Cognac.
O Grand Vin do Château Pontet-Canet é um dos mais badalados
vinhos da região - e consequentemente do mundo, continuando a encantar público
e crítica (diga-se de passagem, emplacou 100 pontos pelo Robert Parker em duas
safras seguidas, 2009 e 2010)
A propriedade possui 80 hectares de vinhedos
de mediamente 45 anos (principalmente cabernet sauvignon) adjacentes aos do
Mouton Rotschild e d'Armailhac.
O château foi qualificado como Grand Cru Classé
na famosa classificação de Médoc, precisamente como 5eme cru. Notoriamente isto foi em1855, mas obviamente desde
então muitas coisas mudaram: de acordo com as avaliações da Liv-Ex, a Bolsa de Vinho de Londres, se
a classificação fosse revista, o Château Pontet-Canet seria hoje um 2eme cru. De qualquer forma é
certamente uma das vinícolas mais comentadas e prestigiadas da atualidade. Achei
impressionante a admiração que o chateau goza em toda a região: inclusive
vários trabalhadores do setor em diferentes lugares e vinícolas que visitei
apontaram espontaneamente Pontet-Canet como um exemplo de trabalho a ser
imitado.
De fato a chegada dos Tesserons em 1975 trouxe nova energia
para a vinícola e uma mudança radical da filosofia de produção. As instalações
passaram por reforma e gradualmente os vinhedos começaram a ser conduzidos de
forma natural, com menor intervenção humana possível e práticas
tradicionais de cultivo. Hoje a vinícola é a única dentro dos grand crus classés de Médoc oficialmente certificada como
orgânica e biodinâmica. Outros
chateaux nos últimos anos começaram algo parecido em parcelas de vinhedos, mas
o Pontet Canet está comemorando este ano sua 11ª safra totalmente biodinâmica.
De acordo com este espírito é proibido nos vinhedos o uso de
qualquer tipo de química (como herbicidas, inseticidas, etc), os fertilizantes são
exclusivamente orgânicos e utilizados apenas nas parcelas da vinha que requerem
uma nutrição extra.
Chegando ao Chateau a simpática e competente Erika Ramos
Lopez me conduziu num belo passeio através de um carrinho elétrico (tipo de
golf) em volta da propriedade e dentro dos vinhedos, e a pé nas instalações.
Logo estas bandeiras chamaram minha atenção.
A bandeira do
Brasil, me explicou, tinha sido hasteada em minha homenagem. A vinícola costuma fazer isto como
forma de prestigiar e agradecer os visitantes (portanto, além da bandeira
francesa da casa, naquele dia tinha alguém da Alemanha chegando depois de mim). Ela não sabia que sou italiano, pois quando agendamos apenas
comentei que trabalho no mercado brasileiro, mas valeu mesmo assim, afinal hoje
me sinto até mais brasileiro que italiano! E de qualquer forma achei muito
bonita esta atitude da casa.
Outra coisa impossível de não notar é a ausência total de
qualquer maquina ou instrumento mecanizado. Os tratores normalmente visíveis na
maioria dos vinhedos da região são proibidos por aqui, onde cavalos e asnos são
meio de transporte e principais curadores dos vinhedos, ajudando a arar e
compactar o terreno.
Um cavalo trabalhando nos vinhedos |
Burrinhos na hora do almoço |
As únicas maquinas que pude ver foram estas perfuradoras de
solo para realização de poços artesianos, pois a vinícola pretende se tornar
totalmente auto-suficiente, com produção própria de energia sustentável.
Um detalhe bem interessante: depois da colheita, rigorosamente manual, as uvas entram na
adega diretamente pelos janelões do primeiro andar, onde depois de seleção (também manual) caem
diretamente, apenas por gravidade natural, nos tanques de fermentação que ficam
no andar de baixo, sem precisar de bombeamento (método que, conjuntamente com o uso de leveduras indígenas permite uma fermentação mais lenta e uma suave extração
de taninos). O grand vin matura mediamente 16 meses em barricas de carvalho
(60% novas) já o segundo vinho (Hauts de Pontet-Canet) estagia 1 ano em
carvalho de segundo uso.
O vinhedo visto da varanda do 1o andar da adega |
Os tanques de fermentação vistos de cima |
Os tanques de cimento no andar de baixo |
Interno do tanque: termoregulado |
Ânforas de cimento |
1a sala das barricas |
Subsolo com mais barricas |
Algumas jóias raras da coleção de família |
Finalizando a visita, a sommelier da casa abriu e me
ofereceu uma taça do vinho top, o Pontet-Canet 2014, para minha avaliação.
A pequena gema degustada |
A safra de 2014 pode ser definida como clássica e o vinho
era obviamente ainda uma criança, mas já mostrando seu grandíssimo potencial. Esperado blend bordales típico da margem esquerda, com predominância de cabernet
sauvignon, cortado com merlot e cabernet franc.
Achei o vinho elegantíssimo. De cor vermelho-rubi profundo,
tem aromas de fruta silvestre, especialmente cassis e amoras, alcaçuz, café, toque de figo e notas terrosas. Na boca tem uma enorme estrutura, mas mantendo um caráter muito fino;
a excelente acidez e a grande estrutura tânica garantem um potencial de guarda
de várias décadas; ótimo equilíbrio geral e final de longa persistência.
Enfim, mais uma experiencia única. Agradeço novamente a Érika e todo o staff do Château Pontet-Canet por
ter providenciado esta visita inesquecível.
Mondovinho e Erika |
Excelente post...Não imaginava que esta vinícola estava tão bem estruturada... Uma pergunta Mario, mesmo com essas inovações eles ainda permanecem com características gustativas dos vinhos do velho mundo ??
ResponderExcluirObrigado Dimas!
ExcluirCertamente, e eu ouso dizer ainda mais que a maioria. Vc sabe que entre os vinhos de Medoc, os de Pauillac são os que mais costumam agradar o publico "novomundista", por ser geralmente mais redondos e potentes. Ja achei o estilo do Pontet-Canet (embora seja Pauillac também) mais tradicional mesmo, um pouco mais austero, mas com muita finesse.
Muito obrigado por passar por aqui!
Grande abraço!
Prezado, como consigo seu email ?
ResponderExcluirOlá, parabéns pelo blog e pela matéria! Saberia me informar se esta vinícola faz uso da adição de sulfitos e de clara de ovo no clareamento? Agradeço desde já! Um abraço. André
ResponderExcluirAndré peço mil desculpas pelo enorme atraso na resposta, mas não sei porque o blogger não estava me comunicando o recebimento dos comentários...espero que o problema esteja resolvido agora.
ExcluirRespondendo a sua pergunta: sim, utiliza os dois (clara e sulfitos).
Obrigado pela leitura e pelo seu gentil comentário.
Abraço!