Não é nenhum mistério
que aprecio bastante os vinhos brasileiros, sempre elogiei e continuo elogiando
(apesar da muito debatida questão dos preços, que na média acabam impactando
negativamente a percepção do consumidor). Mas nunca imaginaria gostar de um
vinho nacional de uma marca “comercial” mais que de um badalado Grand Cru Classé
de Bordeaux...Mas vamos por degraus.
A convite do meu amigo/parceiro/mestre Mauricio Szapiro
participei da reunião do mítico grupo 15 - ou seria XV? Afinal o grupo nasceu no
século passado, isto mesmo, na ABS em 1998 e continua compartilhando
experiências enológicas até hoje, com grande competência e alegria: já viajou
de verticais de Cheval Blanc, de Barolos e Supertoscanos, mas sempre revisitando
brazucas para averiguar suas evoluções (adegas cheias de Talentos e Lote 43 desde 99).
A degustação, inicialmente intitulada de “Folia Brasileira” e sucessivamente renomeada em maneira espirituosa de “Cata
da Lagoa” (pelo resultado) ocorreu no badalado clube Caiçaras e acompanhada
por um delicioso jantarzinho no restaurante da ilhota. A brincadeira foi a seguinte:
garimpar nas respectivas adegas uns vinhos nacionais de safras mais maduras e
compará-los. No meio disso, 2 Bordeaux para conferir.
Claro que faltaram vinhos ótimos entre os que são
considerados referência para vinho brasileiro, mas o painel foi bem interessante e
variado, inclusive alguns rótulos bem raros.
Depois de um Champanhinho de boas vindas (um ótimo Mountaudon Brut) os vinhos foram
distribuídos em duas rodadas do mais antigo ao mais novo.
Estas são as minhas impressões gerais.
1)Boscato Cabernet Sauvignon Gran Reserva 2002
Aromas terciários em destaque, bom equilíbrio, macio, um
pouco curto.
2) Pizzato Merlot
2002
Este tinha já mais “pegada”, mais acidez e taninos mais
vivos.
3) Pietro Felice Cabernet/Merlot Gran Reserva 2002
Este rótulo já não existe mais, de qualquer forma descobri
que a marca pertence ao grupo Sinuelo. Mais leve e menos persistente, mas mesmo
assim continua agradável.
4) Marson Cabernet
Sauvignon Gran Reserva 2002
Nariz fantástico (mentolado, balsâmico), fruta ainda viva, bela
tensão ácida e taninos saborosos. Toda a tipicidade brasileira numa taça.
5) Miolo Merlot
Terroir 2004.
Para a quase unanimidade, às cegas este era o Cos d' Estournel. Impressionante como um
merlot nacional de R$ 150 possa entregar esta elegância e perfil de
puro Bourdeaux. Fruta, acidez, tanino, madeira tudo em perfeito equilíbrio num
conjunto de rara finesse e longa persistência.
6) Châteu Cos d' Estournel 2004
Badalado Grad Cru
Classé de Médoc, a menina dos olhos de Saint-Estèphe não abriu como se
esperava. Fechado nos aromas, sem expressão e com ponta de amargor no final.
Garrafa azarada ou não, simplesmente não impressionou.
7) Miolo Merlot Terroir 2009
Engraçado como, comparado com o encantador 2004 acima, este parecia totalmente outro vinho. Não
sei se é o reflexo de safras diferentes, se mudou algo na vinificação ou se precisaria
esperar mais 5 anos para se assemelhar. Embora continue um belo vinho, este é
mais encorpado, mais extraído, menos elegante.
8) Salton Talento 2009
Um clássico das
mesas brasileiras, corte de Cabernet Sauvignon, Merlot e Tannat. Vinho alegre,
nariz limpo, ataque preciso, final curtinho.
9) Villa Francioni Dilor 2009
Top da vinícola, produção
super limitada, corte de Cabernet Franc, Merlot, Malbec, Cabernet Sauvignon,
Syrah e Petit Verdot. Bem estilo Novo Mundo: fruit-bomb, madeira (30 meses em
carvalho novo), muito intenso e musculoso. Impressiona sem dúvida, mas eu senti
falta de acidez.
10) Châteu Fleur Cardinale 2009
Grand Cru Classé de
Saint Emilion, nesta safra histórica veio para brilhar. Equilibrado, saboroso,
fino, persistente. Irretocável.
11) Quinta do Seival Castas portuguesas 2009
Mais um belo rótulo
da Miolo, este produzido com castas típicas da “terrinha”: Tinta Roriz e
Touriga Nacional. Boa fruta, intenso, gostoso e harmônico. Personalidade
portuguesa, com certeza.
12) Dezem Extrus Cabernet Franc 2009
Do Paraná. Boa
surpresa, mais leve, mas não por isto menos interessante, puxando para um
perfil mais delicado e floral.
13) Pizzato Alicante Bouschet Reserva
Mais um com uma
casta típica portuguesa. O vinho tem boa expressão e ataque, mas faltou “grip”
para a arrancada final.
Na avaliação de
todos, o “pódio olímpico” foi o
seguinte:
Medalha de ouro: Miolo Merlot Terroir 2004: nota média de 94 pontos
Medalha de prata: Châteu Fleur Cardinale 2009: nota média de 93,5 pontos
Medalha de bronze: Quinta do Seival Castas portuguesas 2009: nota média de 92 pontos
O resultado final foi certamente surpreendente, mas
independente disso, o que foi claro é que todos os vinhos estavam em
excelente forma (mesmo os poucos badalados com 16 anos de idade) e todos com
qualidade de sobra. Que venha mais vinho brasileiro!
O gurpo 15 (mais um intruso) |
O resultado da farra |
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