Ao longo dos anos tenho visitado várias vinícolas, algumas bem badaladas, mas alguns nomes são certamente mais evocativos. Visitar o Château Margaux tem sido pra mim uma experiência emocionante e enriquecedora, que quero compartilhar aqui com vocês. Portanto hoje vamos falar um pouco deste mítico Premier Grand Cru Classé de Médoc.
Nem todo mundo sabe que o mais estiloso e aristocrático
vinho de Bordeaux, tem passaporte grego. Talvez menos
ainda saibam que o passaporte em questão pertence a uma mulher. Pois é: madame
(ou κυρία, em grego) Corinne Mentzelopoulos, herdou a vinícola do pai André, um
imigrante do Peloponeso que tentou fortuna no exterior. Mesmo formado em
literatura, percebeu logo que tinha talento para comercio. Começou exportando e
importando cereais com Oriente médio e Ásia e depois de casar com uma mulher
francesa adquiriu em Paris algumas lojinhas de hortifrúti. Graças a sua visão e
empreendedorismo conseguiu em pouco tempo criar uma vasta rede de distribuição
de fruta e verdura com 1600 lojas na França inteira.
Com a recessão da década de 1970 a indústria vinícola de
Bordeaux vinha passando por uma grande crise econômica (e qualitativa), foi aí,
em 1977, que o Sr. Mentzelopoulos fechou com a família Ginestet, então dona do Château Margaux, a passagem de propriedade da
vinícola.
Investindo pesado e
com paixão, André modernizou a inteira propriedade (os vinhedos, a adega, a
cave) introduzindo barricas de carvalho de primeiro uso e lançando novos
rótulos mais acessíveis. Inclusive construiu a maior adega subterrânea da
região pela época. Os resultados foram evidentes já apenas no ano seguinte,
quando em 1978 o Château Margaux foi avaliado como um dos melhores da região. Mas
o Sr. Mentzelopoulos faleceu apenas 2 anos depois, deixando em 1980 o futuro da
vinícola nas mãos de sua filha Corinne.
Desde então a jovem, com garra empreendedora, continuou
investindo sem parar, também graças à ajuda da família italiana Agnelli,
proprietária da Fiat e do Juventus (meu time de futebol de coração, diga-se de
passagem) que injetou notáveis capitais no negócio, até ceder definitivamente
sua parte em 2003, deixando 100% da atividade nas mãos da Corinne, que continua
à frente da vinícola até hoje.
A denominação de origem Margaux foi sempre considerada (e
com razão) a que produz vinhos mais elegantes de Bordeaux, e o Château Margaux
é hoje, graças ao trabalho dos Mentzelopoulos, a máxima expressão da região.
Cinco séculos de história francesa mudados radicalmente por um imigrante grego.
A vinícola introduziu recentemente (em 2013) um terceiro
tinto com o duplo propósito de oferecer um vinho mais acessível para quem não
pode pagar valores astronômicos e ao mesmo tempo ter maior giro de capitais
para continuar investindo e aprimorando o primeiro e segundo vinho. Portanto a linha completa hoje é composta por
4 vinhos (1 branco e 3 tintos):
- Margaux do Château Margaux
- Pavillon Blanc do Château Margaux
- Pavillon Rouge do Château Margaux
- Grand Vin do Château Margaux
Quando visitei a vinícola fui recebido pela gentil e competente madamoiselle Emilie Janot que me contou boa parte da história acima exposta e me guiou num belo tour pelas instalações
O Château, embora não propriamente um castelo, seja talvez o
mais belo de toda a região: o edifício (completado em 1815), já chamado de ''Versailles de Bordeaux'', é um dos raros
exemplos de arquitetura neo-palladiana da França inteira.
A ''Versailles de Bordeaux'' |
Interessante notar que a vinícola está gradativamente
abrindo mão dos avanços tecnológicos adquiridos, transformando novamente todo
o processo em manual. Por exemplo, a vinícola utilizava o seletor ótico (automático)
das uvas, já hoje a filosofia da casa acredita mais no olho do trabalhador, que
mesmo podendo falhar, devolve uma dimensão mais humana ao produto.
A agricultura é feita de maneira sustentável, a colheita é
manual e a tendência é deixar a fermentação acontecer naturalmente (embora
dependendo das safras possam ser usadas também leveduras selecionadas) em
toneis de carvalho. A maturação acontece lentamente em barricas de carvalho dos
melhores produtores, com soutirage periódico
a luz de vela e clarificação tradicional com clara de ovo.
Toneis de fermentação |
As uvas que compõem os 3 vinhos são do mesmo vinhedo de 82
hectares plantado com Cabernet Sauvignon, Merlot, Petit Verdot e Cabernet Franc;
e a vinificação também é feita da mesma forma
para os 3, sendo apenas avaliada durante o processo a performance de
cada lote para a definição dos blends finais: a partir daí cada um segue seu
caminho diferente (leia-se: tempo de afinamento em barricas, de 18 a 24 meses).
Dois moleques de 11 anos |
Nariz limpo de grande fineza numa combinação sutil de aromas
florais, frutas e especiarias, todos claramente presentes, mas nenhum aroma
dominando. Na boca, a estrutura tânica é densa, fina e macia. Grandíssimo equilíbrio,
precisão, frescor e um toque etéreo, que só pode ser encontrado num grande
Margaux.
Poderia beber tranquilamente apenas estes pelo resto da vida |
Com a Emilie Janot no célebre vinhedo |
Merci, au revoir |
Parabéns pelo documentário bastante rico em informações para nós amantes do vinho.
ResponderExcluirMuito obrigado José Paulo! Fico feliz em saber que você apreciou
ExcluirO melhor que nós temos com o maior ícone de Margaux! Parabéns pelo belo trabalho! Saúde!
ResponderExcluirObrigado!
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