Voltando ao assunto do post anterior, vou ter que defender
os coitados dos malbecs argentinos (logo eu!), já que o problema não é só com
eles, pois a questão na verdade se estende a muitos outros vinhos do mundo
inteiro.
Aí vai logo a polêmica: um dos elementos que pra mim atrapalham a
qualidade dos vinhos no mundo é a falta
de cultura degustativa de muitos produtores. E com isso não me refiro á analise
sensorial ou técnicas de degustação, e sim em (falta de) provar vinho em geral.
Quando - uns 20 anos atrás, apareceram os primeiros vinhos
obtidos com técnicas e tecnologias modernas (osmose inversa e concentradores
vários, adição de proteínas, enzimas, estabilizantes e inúmeros outros produtos
enológicos) isto foi visto come uma grande renascença pela “eno-comunidade”
internacional: um estilo novo que finalmente resultava em vinhos macios, doces,
redondos, cheios de fruta. Isto tendo os vinhos de Bordeaux come referencia,
mas mais prontos e fáceis de beber.
Até aqui tudo bem, mas os anos seguintes mostraram que esta
suposta revolução na verdade estava se transformando num grande engano. Os
melhores vinhos modernos expressam as características acima citadas com elegância
e finesse, evitando os excessos mais
espalhafatosos, mas as novas técnicas na verdade deram à luz muitos vinhos que são
caricaturas dos vinhos bordaleses. Então hoje temos que lidar com caldos
potentes, alcoólicos, muito extraídos, com notas de carvalho novo, mas num
conjunto desajeitado, meio fake, e pouco
desfrutável.
A questão é esta: nada contra em ter um mini-bordalês por
30-40 reais se for feito simples e honestamente; já outra coisa é ter uma
imitação mal sucedida do Bordeaux-style feita artificialmente e vendida de 300
pratas pra cima.
Daí a questão do vinho base Versus o vinho ícone. É até
frequente em eventos de degustação de eu declarar ao produtor que preferi o
vinho de entrada. Aí o cara com os olhos arregalados quase não acredita: como
assim, você gosta deste vinho simples mais do que o nosso vinho top? Isto com a
expressão de quem diz: tá ok, este italiano não entende coisa nenhuma de vinho.
Aí para não parecer deselegante a minha resposta pronta é algo tipo: não, é que
o top talvez precise de mais tempo para ficar no ponto, já o de entrada já está
pronto para beber.
Ok, eu posso não entender muito sobre o assunto, mas possivelmente
aquele produtor na minha frente entende menos que eu. Ou melhor, ele pode até entender
tudo de enologia, de vinha, de vinifcação, etc. Mas, não necessariamente ele é
um bom degustador.
Parece até banal, mas nem todo mundo se dá conta: o autor nem sempre é o melhor interprete. Quando um trabalho artístico (um
texto literário, uma pintura, uma música, ou mais modestamente, um vinho) fica
pronto, o autor certamente é uma das vozes mais qualificadas para
interpreta-lo, mas não obrigatoriamente a mais competente.
Conheço músicos talentosíssimos, executores impecáveis, mas
que não entendem ou não conhecem muito mais daquilo que são acostumados a tocar.
Assim como eles conhecem e executam bem apenas aquele repertório, muitos
produtores de vinho também bebem apenas o vinho deles, que consideram,
obviamente, o melhor do mundo.
Ainda com a comparação musical: muitas canções e concertos
se tornaram melhores em performances de outros interpretes mais que na versão
original do autor. E muitos autores até escrevem diretamente para outros
artistas, admitindo humildemente, que a versão do outro seria melhor que a
dele.
Da mesma maneira o produtor de vinho e o enólogo não são
necessariamente os donos da última palavra sobre os próprios vinhos. E se muitos dos produtores tivessem esta
mesma humildade e, sobretudo a curiosidade em provar sistematicamente os vinhos
dos outros, provavelmente o cenário atual seria diferente.
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