Em clima de eventos de vinho "natural", vamos
falar um pouco mais sobre o assunto. Primeiramente eu gosto de colocar a
palavra entre aspas, pois vinho natural em si não existe. Qualquer vinho é
sempre resultado de intervenção humana. Dito isto, é opinião comum falar de
vinho natural como algo que se diferencie de vinho orgânico. Isto porque um
vinhedo conduzido de maneira orgânica (sem uso de pesticidas, fertilizantes,
adubos artificiais, etc) não necessariamente pode corresponder a uma
vinificação na adega sem uso de química ou outros aditivos artificiais.
Portanto o uso da palavra "natural" (entre aspas) a meu ver deveria
ser restrito apenas para os vinhos que são produzidos com a menor intervenção
humana possível e cuja fermentação aconteça de forma espontânea.
Aí entra em jogo a polêmica questão das leveduras. Indígenas
x Selecionadas. Quando falo em leveduras indígenas as pessoas logo pensam em
algo tribal, mas a palavra não deve ser associada a "índio", pois
indígena significa "natural da região em que habita", ou seja,
sinônimo de autóctone, nativo.
Explicado para os dummies, a levedura é aquele bichinho
esquisito que vive na uva – ou melhor, no ambiente - capaz de transformar os
açucares em álcool, e consequentemente o mosto em vinho. Antigamente as vinhas
eram pouco tratadas com produtos químicos e as uvas eram ricas em leveduras
naturais. Num terreno com vocação para videiras, não muito úmido nem predisposto
a doenças, a fermentação do mosto acontece espontaneamente graças a estes
micro-organismos. Com a chegada da viticultura intensiva, chegaram também
herbicidas, fertilizantes, anti-parasitas, anti-mofo que matavam todos os
organismos presente na vinha (bons e ruins) e nos meados da década de 1970
chegaram às leveduras selecionadas comercialmente.
As leveduras indígenas fazem
parte do terroir, portanto com elas o vinho potencialmente pode ser mais original, mostrar tipicidade
e ganhar mais complexidade, mas ao mesmo tempo o resultado pode ser variável:
nem sempre proporcionando perfumes bonitos - como os clássicos da Saccharomyces,
podendo ao contrário trazer aromas desagradáveis, como o do amado/odiado Brettanomyces - chamado amigavelmente de Brett.
Para muitos o Brett (com aquele aroma típico animal – o tal
do cavalo suado, sobretudos) é sinônimo de qualidade, mas por outro lado, como
vimos aqui nas desculpas do vinho, um vinho natural não precisa cheirar a
estábulo.
Na dúvida, muitos produtores, inclusive orgânicos, preferem
recorrer ao uso de leveduras selecionadas e embaladas industrialmente, com as
quais controlar a fermentação para um melhor resultado comercial (algumas delas
inclusive já vêm com aromas selecionados, outras podem ser neutras.) Agora, se por um lado a levedura selecionada garante efeitos
mais seguros e diminui os riscos, por outro lado os vinhos podem resultar chatos, iguais, menos
profundos, sem personalidade ou tipicidade.
Não sou enólogo, mas sei que existem várias práticas para
reduzir os efeitos indesejados da fermentação natural, como por exemplo o
chamado “pied de cuve”. Com esta
técnica é fermentada previamente uma pequena quantidade de uva, e quando esta
está em fermentação turbulenta é utilizada para induzir a fermentação no resto
do mosto
Enfim, a discussão está aberta, assim como a polêmica: cada
uma das duas escolas tem seus adeptos e seus opositores, afinal dependendo do
ponto de vista as escolhas podem ser criticadas ou aplaudidas; mas a verdade
final é que quem vai escolher entre o “certo e o errado” é sempre o mercado.
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