Por aqui gostamos de polemizar, portanto seguindo a
tendência do momento (que dura há 20 anos), vamos voltar mais uma vez ao
debate: vinho "convencional" vs. vinho "natural".
Sem entrar exatamente na disputa do vinho com ou sem defeito
que parou o País por alguns dias (SQN)
e pela qual encontrará 12 simples desculpas
neste outro post , a coisa que me incomoda é a
divisão de
“classes”, de categorias, do eleitorado.
Parece que temos que tomar obrigatoriamente uma posição. Eu
não posso gostar de um e também do outro. Tem que escolher entre um time o ou outro. Penalidade: prisão perpétua.
Eu já disse e volto a dizer: contanto que o vinho me dê
prazer, não tenho este tipo de preconceito.
Obviamente tem um estilo que eu prefiro, e, claro, se o vinho e os
vinhedos forem tratados de forma mais "saudável", melhor ainda. Senão
paciência.
Não me entenda mal, eu tenho bebido e elogiado (inclusive
aqui no blog) muitos vinhos definidos "naturais", adoro literalmente alguns
deles, mas não por isso deixei de beber vinhos "convencionais". Assim como os adeptos dos convencionais deveriam deixar o preconceito do lado e ver que existe vinho natural excelente.
O que não entendo nesta divisão é que deveríamos ficar
horrorizados na frente de um vinho industrial (defina isto para começar),
mas podemos continuar comendo qualquer porcaria. Tem muito mais aditivos/tratamentos/sulfitos
numa alface, num pacote de arroz, num molho de tomate, numa fruta seca, que num
vinho qualquer. Parece-me um pouco como aquela passista de escola de samba que
se diz vegana, mas que veste uma fantasia feita com centenas de plumas de
pássaros raros. Um pouco de coerência, pelo amor. Uma produtora de vinhos
‘’naturais’’ que só usa bolsas em couro da Louis Vuitton e Prada seria ou não
um contra-senso?
O meu amigo Eduardo Angheben (produtor admirável e
incansável do Vale dos Vinhedos) fez uma comparação muito exemplificativa,
usando um paralelismo com a comida: o natural
seria como a pessoa caçar o bicho, matar com uma lança (claro, qualquer arma de
fogo seria proibida) e come-lo cru logo em seguida; já do outro lado, o industrial, seria o Mc Donald's. Mas
entre estes dois opostos existem centenas de opções, meios caminhos, tendentes
pra cá ou pra lá, todas igualmente válidas.
O vinhedo pode ser tratado de forma orgânica, mas o vinho ser
manipulado à vontade dentro da adega, ou vice-versa, o vinhedo pode ser tratado
quimicamente, mas a vinificação ser a menos interventiva possível, e aí?
Eu conheço (e vocês também) um produtor no sul que declara seu
vinhedo como totalmente orgânico e biodinâmico, mas anda com um trator dentro
dele. Então, é natureba ou não?
Os
infames sulfitos: alguns (muitos) dos naturebas usam, outros
(poucos) dispensam a utilização. What now?
Aaah ok, o problema então é das tais das
leveduras. Outro
produtor (vocês conhecem também) só fermenta com as indígenas, mas o vinhedo é
tratado com métodos fitossanitários. E agora? Em que facção ele se classificaria?
Detalhe: as leveduras
selecionadas também são naturais, caso não saiba.
Então vamos parar com esta divisão polêmica que não leva a
lugar algum. Existe vinho natural fantástico e vinho natural sofrível, o mesmo
diga-se para vinho convencional.
E citando
este outro post (em que expliquei a questão para os alienígenas) afinal este luta entre
as “forças do bem” e as “forças do mal” existe de fato mais entre os
consumidores que entre os produtores, pois estes últimos sabem que precisam um
do outro: ''os industriais precisam de um artesanato crível, que divulgue a idéia
de um produto com identidade nacional e de qualidade. Os artesãos precisam de
uma indústria que gaste o que puder em propaganda e marketing para reforçar a
imagem do vinho local. Desta forma os dois sobrevivem e até se abrem novos
mercados''.
P.S. homenageando o recém falecido
Giacomo Tachis,
provavelmente o maior enólogo que a Itália já conheceu (ou você talvez nem
goste do Sassicaia?) vou citar esta máxima dele
: “a coisa mais parecida ao vinho natural é o vinagre”.
Uma provocação, é claro.