Vinopoly

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Polêmica! A ignorância faz mais danos do que leveduras e sulfitos

Este post do enólogo e professor Umberto Trombelli (não um qualquer, mas um que, por exemplo, trabalhou por 20 anos junto com Giacomo Tachis no Sassicaia) deu muito o que falar na comunidade enológica italiana. O tema é sempre polemico: vinho natural vs. vinho convencional. Já abordamos o assunto (aqui e aqui), mas uma coisa é a minha ou a sua opinião, outra é a voz de um respeitado profissional internacional. Portanto resolvi trazer aqui a discussão traduzindo os pontos chaves e pra mim mais interessantes da publicação, dividindo os argumentos em parágrafos (o post é longo), para avaliarmos melhor a questão juntos.
Lá vai:




A ignorância faz mais danos do que leveduras e sulfitos

Defeitos
Em meus 30 anos de atividade de enólogo consegui aprofundar as técnicas de produção para vinhos de uvas cultivadas de forma orgânica, biodinâmica ou convencional; em vinhos sem sulfitos adicionados, sem leveduras selecionadas, em vinhos definidos “industriais” e vinhos comercializados com sedimento em garrafa. Considero a minha uma boa experiência, mas não me sinto nem satisfeito nem realizado, pelo contrário, sou totalmente apaixonado por este trabalho que continuo a ler e estudar porque tem muitas lacunas que a ciência ainda não sabe explicar nas reações químicas da fermentação e conservação dos vinhos.
Dói-me ver que a enologia é criminalizada em geral por aqueles que de enologia não sabem coisa nenhuma. Como enólogo fico feliz em ouvir finalmente que entre os produtores de vinhos naturais os defeitos estão sendo reconhecidos por aquilo que são: falhas. Os defeitos não expressam um terroir, mas sim o degradam. 
Muitos, no entanto, inclusive formadores de opinião badalados, os exaltam e fazem do defeito um ponto de força para descobrir novas estrelas em ascensão. O defeito é reconhecível em qualquer lugar, ou seja, além de ser um caráter degradante é também homologador.  Nos anos foram “endeusados” vinhos que um produtor engarrafava sem nenhum controle, assim que você comprava um vinho que tinha feito uma maloláctica na garrafa ou uma segunda fermentação por causa de um açúcar residual esquecido: ai de fazer alguma crítica, senão você era considerado um ignorante e incivil. Paradoxo dos paradoxos.


Leveduras
Embora eu concorde que defeito é defeito, não posso compartilhar o conceito que um vinho para ser original e se reconhecer em um terroir deva ser produzido sem uso de adjuvantes e/ou aditivos. Admito que em vinhos produzidos em grandes quantidades exista um uso exagerado. Porém se alguém tentasse aprofundar o Bê-a-Bá da biologia, da química e de todos os fenômenos que estão por trás de um vinho, talvez estivesse mais disposto a admitir que o motor biológico da vinificação tem que ser guiado pelo homem.  
O uso de leveduras selecionadas, aquelas identificadas como rápidas e seguras para ativar a fermentação, o uso de bactérias malolácticas (talvez obtidas a partir do armazenamento na adega do ano anterior), o uso de sulfitos de modo correto e não invasivo, não é ruim. A barrica geralmente tem um propósito: refinar, limpar e estabilizar naturalmente o vinho; não moldá-lo sobre um gosto de madeira!
Estas são todas técnicas e ferramentas que o homem desenvolveu ao longo dos séculos para melhorar e tornar desfrutável o vinho no tempo.  Não vejo nada de errado nisso, pelo contrário, o considero a maneira ideal para valorizar um vinho em uma área, desde que se trabalhe com a contribuição de viticultura cuidadosa e bem direcionada, em uma ligação indissolúvel.


O desafio é se firmar num mercado mundial ligando o vinho ao próprio território, junto com a própria história e patrimônio gastronômico e cultural. Reduzir o problema pensando que as leveduras selecionadas são um fato negativo é enganoso e contraproducente. Se por um lado é verdade que foram selecionadas cepas de leveduras que acabam generalizando o bouquet de um vinho, por outro lado também é verdade que existem muitas outras que são apenas bons fermentadores, que não afetam as peculiaridades originais das uvas.
A escolha é ampla. Pensemos por um momento sobre o que seria hoje a produção de Champagne (ou de espumantes de qualquer área do mundo) se não houvesse leveduras selecionadas: elas foram especificamente selecionadas para alcançar esse resultado enológico e sem distorcer, pelo contrário, para valorizar os produtos.
O que dizer de como se selecionam na vinícola as leveduras chamadas “espontâneas” que fermentam os mostos de alguns produtores “naturais”: são micro-organismos que vivem em quiescência em suas adegas (não em suas vinhas!), despertam em contato com os mostos, se espalham ao longo da colheita e depois retornam, alguns, novamente dormindo. Numa adega não há uma levedura única que começa e termina sozinha um processo de fermentação, nem mesmo a selecionada consegue.
Por acaso, quem afirma o contrário já fez pesquisas microbiológicas para entender quais são os agentes de levedação deles? A eles eu posso dizer que, se investigassem os mapas genéticos dessas cepas "nativas" descobririam que essas leveduras também são comercializadas e vendidas como bons fermentadores; encontrariam o comum Saccharomyces Cerevisiae, o micro-organismo pertencente ao mundo vegetal, um fungo, o agente de fermentação. E também encontrariam leveduras "não boas", "perigosas", não porque sejam monstros, mas porque em certas condições ambientais elas preferem “comer” outras coisas além de açúcares, e esse é um problema, um defeito 9 vezes em 10. Eles descobririam simplesmente que o que eles dizem é sem fundamento.


Sulfitos
Eu provei a vinificar uvas e maturar vinhos sem uso de sulfitos em várias safras. O que conclui é que dá para fazer, mas com resultado qualitativo sem personalidade. Por efeito oxidativo os perfumes se perdem tornando os vinhos menos significantes que os tradicionais. Hoje não existe uma técnica que permite produzir vinhos de alto nível, especialmente de guarda, sem uso deste complexo aditivo que atua como anti-séptico, conservante e estabilizador. A que preço então? Porque se você realmente quiser evitar o uso, terá que usar outros aditivos como taninos, taninos e taninos. E quanto aos vinhos brancos sem o uso de sulfitos: socorro!
Verdade, os sulfitos adicionados são incômodos, tóxicos. Mas se usados de maneira cautelosa não são tão danosos assim. Os limites estabelecidos pela lei vão diminuindo, mas no momento não é possível abrir mão deles. Aos contestadores eu gostaria de perguntar se compra e consuma crustáceos, mostrada, molhos em geral, picles, comida em conserva, etc. Já se perguntou quantos sulfitos existem na comida industrializada? Fácil demais falar sem saber!
Por que devemos sempre pensar que a pesquisa, o estudo e o fruto destes trabalhos são perigos, especuladores terroristas que querem envenenar o próximo?


Eu sou um enólogo e tento valorizar ao máximo os vinhos de meus clientes trabalhando nas peculiaridades das uvas que produzem em um território específico. Eu uso poucos aditivos e só quando for necessário. Apesar disso, não é possível encontrar uma identidade comum entre todos os meus vinhos, e não para isso acho que sou um "alquimista": acho que sou apenas um bom "piloto" que usa as técnicas que a ciência me dá para desenvolver bem meu trabalho.

Vinhos simples
Não existem só vinhos famosos, há também os mais simples, para o dia-a-dia. Os vinhos simples não são venenos! São vinhos obtidos a partir de uva! Os mostos são vinificados com técnicas modernas e confiáveis usando também aditivos alimentares autorizados. E dai? Deveríamos abandonar este mercado? Deveríamos dizer a milhares de operadores de mudar de emprego só porque alguém que não conhece e não se informa pensa que estamos fazendo algo inaceitável? Que estão buscando um negócio contra a natureza?  
Absurdo! O vinho deve ser considerado em todas as suas variantes qualitativas e comerciais. Se a tecnologia nos permite conter os custos e serem competitivos nas faixas de preço baixo não há nada de errado com isso. Há espaço para todos no mercado e nosso objetivo deve ser sempre melhorar. Fazer uma guerra por um punhado de leveduras parece-me uma maneira de querer procurar um bode expiatório que não responda a questões importantes.

Umberto Trombelli



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9 comentários:

  1. Excelente, Mario! A começar pelo título do artigo do Tonelli. Todos os seus destaques foram importantes, mas um deles me chama a atenção: "Os defeitos não expressam um terroir, mas sim o degradam".
    Grande abraço,
    Flavio

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    Respostas
    1. Grande Flavio! Pois é, muita gente quer passar os defeitos como um simbolo caraterístico da naturalidade e expressão do terroir, sendo que pelo contrário eles alteram a originalidade do vinho e seu vinculo territorial. E acabam paradoxalmente homologando o produto.
      A discussão é longa, eu não tomei nenhuma posição mas tampouco não sou contrário a nenhuma. Apenas gosto de vinho bom. O que me incomoda é quando a ideia se torna ideologia e as várias "facções" defendem um ou o outro lado como se defende partido politico ou time de futebol, independente de resultados.
      Grande abraço, my friend!

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    2. Grande Mario! Concordo plenamente! Uma semana atrás a Wine Spectator perguntou a 6 profissionais do vinho o que esperavam para o mundo do vinho em 2018. Veja as perguntas e resposta de um dos profissionais. É um pouco extenso, mas interessante.

      Wine Spectator: What's the biggest wine trend you predict for 2018? Or what would you most like to see?

      Erik Segelbaum, wine director for Philadelphia-based Starr Restaurants, including Best of Award of Excellence winners Le Coucou in New York, Upland in Miami Beach and Le Diplomate in Washington, D.C.:

      Answer: The trend I would love to just disappear is the whole idea of winemakers hiding behind flawed wine by calling it "natural". I would love to see natural winemaking to mean quality wine, not just to mean funk and stink. Because there are so many incredible natural wines, but now that it's become such a popular category I find that there are so many that are just flawed and hiding behind the veil of, "Oh well this is natural wine, so this is what it tastes like". We're just in this whole trend of, "Oh, we'll call it natural wine and let it taste like brett and mercaptans and V.A. and all sorts of other terrible flaws". I can name hundreds of natural wines that are fantastic, but I think more and more what's been coming out, that hipster trendiness of "totes nat wines" has just been a lot of flawed winemaking.

      Abração,

      Flavio

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    3. Perfeito, Flavio. Entendo que produzir vinho natural sem defeitos não é fácil, mas é certamente possível (conhecemos vários casos). Não ser capaz é outra coisa.
      Grande abraço, meu amigo!

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  2. Muito bom e esclarecedor, Mario! Parabéns.

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  3. Perfeito! É isso ai mesmo. Cada um com seu gosto e suas opiniões, mas uma parte consideravel dos seguidores dos vins natures tem uma petulância injustificada quanto ao tema. Em geral não conhece do trabalho prático de enologia. A indústria alimentar utilizada conservantes largamente e esse mímimi contra os sulfitos só prova o esnobismo e a tentativa de intelectualizar o vinho ao invés de focar no principal: o divertimento.

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  4. Perfeito! É isso ai mesmo. Cada um com seu gosto e suas opiniões, mas uma parte consideravel dos seguidores dos vins natures tem uma petulância injustificada quanto ao tema. Em geral não conhece do trabalho prático de enologia. A indústria alimentar utilizada conservantes largamente e esse mímimi contra os sulfitos só prova o esnobismo e a tentativa de intelectualizar o vinho ao invés de focar no principal: o divertimento.

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    Respostas
    1. Luiz, disse tudo!
      Obrigado pela leitura e pelo seu comentário

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