Vinopoly

domingo, 29 de novembro de 2015

Conheça os vinhos de Minas Gerais, com sua técnica de inversão do ciclo

O clima é sempre determinante para a produção de boas uvas, mas hoje graças a tecnologias e intuito do homem é possível plantar vinhedos de qualidade praticamente em qualquer lugar do mundo, a qualquer latitude, longitude e altitude (desde áreas áridas e desérticas até temperaturas gélidas e polares).

Em breve teremos também os primeiros vinhos finos do Rio de Janeiro (acredite), portanto não deve surpreender que o estado de Minas Gerais já esteja entregando alguns rótulos de boa qualidade. Em 2011 provei o primeiro vinho lançado por lá, o famoso Primeira Estrada Syrah 2010, produzido em Três Corações, que abriu o caminho para vitivinicultura no sudeste do Brasil. 

O enólogo mineiro Murillo de Albuquerque Regina, com PhD em Bordeaux, estava frustrado com o clima da sua terra, que no verão (tradicional época da colheita) é quente, úmido e chuvoso, com todas as conseqüências que isso comporta, como podridão das uvas, doenças várias, insetos, etc. Mas em certo momento teve uma idéia genial, partindo do seguinte conceito: nas melhores regiões vinícolas do mundo, o clima no período que antecede a colheita é caracterizado por dias ensolarados e noites frias, acompanhados de solo seco. Ele se deu conta que isto é exatamente o que acontece na sua terra no período do inverno, por isso entendeu que se quisesse obter uma boa uva ele teria de inverter o ciclo das plantas. É isso aí: poda no verão e colheita no inverno.

Com esta sacada ele realmente conseguiu produzir algo significante (o citado Primeira Estrada) e com espírito agregador foi convidando outros ‘’malucos’’ que quisessem apostar no projeto junto com ele.

O empresário Luiz Porto, com grande visão foi um dos primeiros a acreditar no potencial do vinho mineiro e em 2004 investiu pesado no projeto, convertendo plantações de café e uva de mesa em vinhedos de vitis vinífera, com clones importados da França e construindo uma estrutura moderna e tecnológica. Nascia assim, em Cordislândia, a 800mt de altitude, a Luiz Porto Vinhos Finos, sendo hoje a maior vinícola da região.

Recentemente tive o prazer de degustar seus vinhos num encontro promovido pela Salumeria Delicatessen (em Copacabana) onde um petit comitê de profissionais foi convidado a se juntar ao Luiz Porto Junior, filho do fundador da vinícola, hoje no comando dos negócios, que com muita paixão e simpatia nos conduziu através de uma prova técnica, porém descontraída de 7 rótulos da casa:

- Luiz Porto Espumante Brut: corte de Chardonnay e Pinot Noir em igual proporção, é produzido com método champenoise, ficando por 12 meses ‘’sur lie’’. Perlage fina e persistente, mineral, com destaque para excelente acidez e final cremoso.

- Dom de Minas Sauvignon Blanc 2012: varietal sem passagem em madeira. Leve, porém bem interessante; diferente de muitos SB de Novo Mundo com frequente excesso de notas vegetais e herbáceas, ele mantém essas características bem discretas, deixando ao invés sobressair sua mineralidade, junto a grande frescor.

- Luiz Porto Chardonnay 2012: pertencente á linha premium, matura por 1 ano em carvalho francês. Dourado na cor, tem aroma de café bem destacado e cativante, seguido de baunilha, defumado e tudo que a barrica traz. Bom corpo e complexidade, com notas levemente adocicadas. Para meu gosto velhomundista talvez faltasse um pouco de acidez, mas de qualquer forma recomendo por ser um vinho diferente e bastante interessante (inclusive parece ser o bestseller da casa).
  
- Dom de Minas Syrah 2013: Provavelmente o meu preferido do painel. É um syrah leve (com breve passagem em madeira), porém complexo, perfumado e de grande equilíbrio. Violetas, cassis, cereja, açúcar queimado e especiarias no nariz, sensações repetidas na boca limpa, de boa profundez e muita harmonia entre acidez, álcool, madeira e taninos maduros.

- Dom de Minas Cabernet Franc 2013: estagia por 12 meses em barricas francesas. Nariz de amora, alcaçuz, amêndoas tostadas, canela e um toque terroso. Na boca tem um belo corpo e acidez gastronômica, com a madeira em evidência, taninos vivos (talvez ainda um pouco duros, que se beneficiariam de uma boa comida para acompanhar) e bela persistência. Vai melhorar com algum tempo de descanso em garrafa.

- Don de Minas Merlot 2012: mais parecido com o syrah por sua leveza e frescor (também o estágio em madeira é rápido) é um merlot moderno e aveludado, com notas de ameixa, morango, coco, baunilha, tabaco e terra molhada. Harmônico e sedoso.

- Luiz Porto Cabernet Sauvignon 2012: o tinto ícone da vinícola traz consigo uma contradição, pois por admissão do mesmo Junior, a CS trouxe resultados aquém do esperado e não vai ser mais produzida, focando para as próximas safras nas castas acima citadas. Mesmo assim não tenho como falar mal do vinho, que mostrou potência, concentração e complexidade, talvez com fruta não muito expressiva, mas de qualquer forma é um vinho mais que correto e agradável de modo geral. Ficarei na expectativa do próximo ícone da casa.

Finalizando certamente a vinícola está de parabéns, sobretudo considerando a inovadora técnica de inversão do ciclo das vinhas, e mais ainda levando em conta que a empresa é muito jovem, sendo a maioria dos vinhos provados da primeira safra comercializada (a de 2012): com este começo promissor a Luiz Porto Vinhos Finos só pode melhorar e melhorar ano após ano.



4 comentários:

  1. Devo confessar que sempre sou tomada por um certo temor quando ouço coisas do tipo : "técnicas modernas", "tecnologia de ponta", "vinícolas extremamente modernas", etc, etc, etc. Não que eu esteja dizendo que modernidade e tecnologia sejam incompatíveois com qualidade. Mas, muita vezes, esquecemos que um vinho se faz, ante de tudo, na vinha e não na cantina. Hoje a tecnologia, mais precisamente, a enologia moderna, permite, realmente, fazer vinho em qualquer lugar do mundo. Todos os desvios registrados no mosto e no vinho podem se corrigidos com adjuvantes. A uva foi colhida antes da hora, tem excesso de acidez ? Não tem problema, corrige-se com acréscimo de sacarose ou cabornato de calcio, entre outros. Faltou acidez ? Também não tem problema, acrescenta-se ácidos químicos, como o ácido málico, o ácido tátrtico ou o ácido láctico. Faltou taninos ? Que tal uma dose de taninos químicos ou deixar pedacinhos de madeira flutuando no vinho ? A fermentação não arranca ? Ah, isso é fácil, pra que servem as leveduras industriais ? E por aí vai. Somente aqui na França, onde a legislação não é das mais permissivas, mais de 200 adjuvantes são autorizados no processo de produção do vinho ! Sim, sim, sim. Hoje se faz vinho em qualquer lugar do mundo. Tem até experiências de uvas sendo produzidas na água para a produção do vinho. Nesse caso, podemos enterrar de vez o conceito do “terroir” !!!! Um vinho não é somente a expressão da uva. Eh antes de mais nada a expressão do solo, subsolo, do clima, revelo, topografia, enfim, de todo um conjunto da fatores naturais e humanos que aqui na França chamam “terroir”. Mas acho que estou me desviando do que me levou a essa reflexao. Lendo o artigo sobre a experiência em Minas, ficam algumas perguntas : como é feita a inversão do ciclo da colheita ? Com irrigação ? Quantas colheitas sao feitas por ano ? Qual é a densidade de plantação e a produçao ? Quanto tempos de vida tinhas as vinhas quando foram elaborados os primeiros vinhos ? Não estou, em absoluto, criticando esses vinhos. Não posso fazê-lo, pois ainda não os provei. Mas, não sei porque, me fez pensar em um importante produtor do Vale do São Francisco que me disse uma vez, durante uma discussão : « se eu pudesse plantar hoje e comercializar amanhã, seria perfeito !!! » Ou seja, para bom entendedor, meia palavra basta !

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    1. Você tem toda razão. Certa vez na Itália folhei um catálogo de produtos enológicos da espessura de um tijolo e cheguei à conclusão que uva já não é mais o ingrediente principal do vinho (imagino que uns outros Países possam ser ainda mais permissivos...)

      Assim como concordo sobre terroir, que já não tem mais fronteiras para serem exploradas. Aqui já escrevi um post sobre um vinho produzido nos telhados de Nova York (confira: http://mondovinho.blogspot.com.br/2015/06/novas-fronteiras-vinhedos-nos-telhados.html).

      Entendo perfeitamente todas suas preocupações, já passei por isso mas hoje, depois de conhecer os bastidores, nada me afeta mais, embora muitas das práticas sejam lamentáveis. Por outro lado, mesmo não querendo, temos que aceitar que enquanto para os consumidores o vinho tem um aspecto romântico/cultural, para os produtores é um negócio como qualquer outro, e primeiramente tem que dar lucro.

      Mas voltando aos vinhos de MG e a suas pertinentes perguntas, vou lhe responder pelo que eu sei (pois não sou enólogo e tampouco não acompanho o trabalho desta vinícola). O método de inversão de ciclo é também conhecido como de dupla poda: a primeira, em agosto, é feita para a formação de ramos produtivos; a segunda poda em janeiro, para frutificação. Os brotos nascem em fevereiro e é feita uma única colheita anual, justamente no inverno. Como escrevi no post, os vinhedos foram plantados em 2004 e a primeira safra comercial foi lançada em 2012. O rendimento médio é de 2,5-3,0kg por planta, a produção de 30mil a 50mil garrafas por ano. Outras dúvidas você poderá tirar diretamente no site da vinícola.

      Muito obrigado pela leitura e pelo seu comentário.

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  2. Uma pergunta sobre a tecnologia: quantos mg de SO2 por litro?

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    1. Não tenho este dado, você pode perguntar diretamente para a vinícola no site oficial: http://luizportovinhosfinos.com.br
      Obrigado

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