domingo, 31 de janeiro de 2016

Você está mais para rapidinha, para relação ou para emoção?

Gosto é o que de mais subjetivo existe no mundo. Mas se o gosto pessoal é sagrado e incriticável, tem outras categorias que ainda possuem umas características de qualidade um pouco mais objetivas.
Por exemplo, você pode não gostar do estilo ou da estampa de uma camisa de alfaiataria italiana, mas mesmo assim vai poder dizer que seu tecido é de boa qualidade; você pode não gostar de carro alemão, mas vai admitir que seu motor dificilmente vai te deixar a pé; você pode preferir filmes de vanguarda, mas vamos combinar que uma mega-produção hollywoodiana é tecnicamente perfeita.  Nestes casos seu gosto segue seu caminho, mas temos uns dados incontestáveis.

Já para vinho isso praticamente não existe: a avaliação de qualidade é guiada totalmente pelo gosto pessoal. Você não gosta do vinho que eu gosto e vice-versa. Quem está certo?

Uma das classificações mais interessantes que já vi é do famoso enólogo italiano Roberto Cipresso - autor de vinhos cult, desde Soldera Case Basse a Achaval Ferrer, no seu livro Romanzo del Vino (não sei se existe a versão em português). Ele divide o vinho em 3 categorias: vinho-rapidinha, vinho-relação, vinho emoção.



O vinho-rapidinha satisfaz as expectativas mais simples, as infantis: o desejo de doce. A doçura é a primeira sensação gustativa que percebemos, a mais fácil. Por isto o vinho-rapidinha é na verdade um vinho-guloseima (eu diria um vinho-jujuba, vinho-brigadeiro, vinho-quindim, etc...). Levante a mão quem não tem um amigo/a que não gosta de vinho seco, mas adora vinho suave, ou vinho de sobremesa.
O vinho-rapidinha pode ser seco também, mas de qualquer forma é adocicado, amanteigado, gordo. É o caso clássico do Shiraz australiano, do Cabernet californiano, do Malbec Argentino, do Primitivo e do Amarone na Itália, do Châteauneuf-du-Pape na França (claro, isso generalizando, com todas as devidas exceções que confirmam a regra). Vinhos tão cheios de madeira que acabam cancelando os aromas típicos das respectivas castas.
O vinho-rapidinha é o Obladí Obladá da enologia, aquela melodia típica do Paul McCartney, que desde pequeno vai cantarolando convencido que aquela é musica de verdade: você não precisa escutar várias vezes, é algo que agrada imediatamente, que faz dançar, que não requer competências musicais. Da mesma forma, por exemplo, o Malbec agrada imediatamente.

Não é um crime gostar destes vinhos. Mas talvez seja um crime parar por aqui. Quem parou no Obladí Obladá nunca entendeu a virada futurista do Lenon, de Jealous Guy a Yoko Ono (não, ok, Yoko Ono talvez não).


Já se você for um curioso, um dia vai se deixar seduzir pelo vinho-relação, chegando a procurar no vinho sensações não confortáveis, como sapidez, acidez, adstringência. Algo que te coloque á prova, que te estimule: como numa relação, para funcionar você tem que se entregar, deixando do lado seus egoísmos e estar aberto á caraterísticas diferentes que inicialmente incomodam, mas que depois se tornam essenciais.
Então lá vai um Cabernet Franc, um Sangiovese, um Petit Verdot, um Tannat, um Baga, um Monastrell, um Aglianico...

Uma vez chegado até aqui é difícil parar neste estádio intermediário: você vai querer chegar ao topo, ao vinho obra de arte. Quer entender o vinho mais difícil, quer saber interpretar a Nebbiolo, quer se sentir Paul Giamatti no filme Sideways, quer descobrir a Pinot Noir. Nesta altura existe o risco que você se obrigue a gostar dela, porque já entendeu que se você pedir um Pinot da Borgonha numa loja ou num wine-bar, todo mundo vai te olhar da mesma forma que os cowboys olham o John Wayne entrar num saloon: com devoção e admiração.
Neste nível você acha um vinho perfeito por causa da sua imperfeição, tipo estrabismo da deusa Venus. Se chegou neste nível, meus parabéns: conheceu o vinho-emoção. Aquele vinho capaz de te levar para outra dimensão, que te faz esquecer do mundo ao seu redor, que vai te dar um turbilhão de sensações, que vai te deixar bobo, sem que você saiba o porquê. 






quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Cursos WSET nível 1 e 2 no Copacabana Palace!


WSET (Wine & Spirit Education Trust), fundada na Inglaterra em 1969, se tornou hoje referência internacional para formação de profissionais da área de vinhos e destilados, sendo aberta também para curiosos e wine lovers em geral.
A escola Enocultura, sediada em São Paulo, traz para Rio de Janeiro os primeiros 2 níveis oficiais: os módulos são exatamente idênticos aos dos cursos feitos lá fora, sendo que a WSET exige este padrão em qualquer lugar do mundo. E a certificação também é a mesma, inclusive valida internacionalmente.
Então save the date: de 15 a 19 de março. O local escolhido para os cursos não poderia ser melhor: o badalado Copacabana Palace, que por si só já vale como incentivo.  

Mais detalhes a seguir:



sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

A rolha definitiva anti-bouchonné é de cortiça!



Voltamos a falar de rolhas e bouchonné. Poxa, mas de novo? Sim, a questão agora se tornou pessoal. Dizem que o problema do Bouchonné afeta cerca de 5% das garrafas produzidas no mundo, mas pelo visto elas estão todas comigo...! Pois é, de fato nos últimos tempos não tenho tido sorte e me deparei neste defeito numa percentual acima do esperado (lembrando que o fenômeno, também conhecido como TCA, acontece quando a rolha de cortiça é atacada por um fungo que acaba estragando o conjunto aromático-gustativo).

Chato mesmo, mas faz parte. Até então a solução para os produtores evitarem este risco seria a rolha sintéticas ou a screw-cap (de rosca). Numa matéria recente vimos até uma nova rolha derivada de cana de açúcar. Mas testando uns vinhos da Hugel (vinícola da Alsácia) descobri que ela usa uma rolha que é ‘’bouchonné free’’, e é também de cortiça!

A empresa francesa Diam desenvolveu uma rolha que é produzida com os melhores cortes do sobrero, mas que vem processada de forma diferente. As cascas de cortiça, depois de serem lavadas em água fervente são trituradas e os grãos nobres são ‘’purificados’’ com o uso de dióxido de carbono. Em determinadas temperaturas ele chega ao estado chamado de ‘’supercrítico’’ que mistura a capacidade de penetração de um gás com a de drenagem de um líquido, conseguindo assim extrair da cortiça todos os componentes responsáveis pelo TCA e qualquer outra impuridade. Finalmente as rolhas são reconstruídas usando micro-partículas expansíveis que ligam e vedam perfeitamente um grão ao outro podendo assim escolher e adaptar qualquer rolha a qualquer tipo de vinho conforme for pedido pela vinícola.

Além disso a rolha consegue também que o líquido dentro das garrafas fique igual para todas, eliminando a diferença sensorial que pode ocorrer entre uma garrafa e outra. Tudo isso mantendo todos os vantagens e características da rolha tradicional, principalmente a oxigenação.



A Diam produz rolhas para vinhos tranqüilos, espumantes e fortificados e algumas vinícolas que já aderiram ao uso de suas rolhas são: Valdivieso, Trapiche, Billecart Salmon, Luois Jadot, Ruggeri, e Hugel (entre outras), e a demanda continua crescendo.

Se isso funciona mesmo convido todas as vinícolas do mundo a utilizar este tipo de vedação, ou então pelo menos para as garrafas que acabam indo para minha adega.









Mais detalhes nos vídeo a seguir:





segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Os vinhos Full-Terroir

Pedro Parra é um dos nomes mais relevantes e revolucionários da viticultura sulamericana, estando a frente de projetos como Altos las Hormigas e Zuccardi na Argentina,  Aristo e agora Clos de Fous no Chile. 

Clos de Fous pode se traduzir do francês como “Vinha dos Loucos”, e de fato o projeto tem uns toques, se não de loucura, certamente de ousadia.

Uma vinícola boutique formada por 4 amigos desde o colégio, cada um assumindo um papel fundamental: o viticultor, o enólogo, o terroir-hunter e o empresário que têm como objetivo um desejo comum: criar vinhos full terroir. A filosofia é emprestada da Borgonha, com o conceito de alcançar a produção de grandes vinhos com a menor intervenção humana possível, deixando o terroir se expressar por si só. Ou seja, selecionando as melhores uvas dos melhores terroirs chilenos para imprimir caráter próprio, mas ainda mantendo a essência da região de procedência.

Criada em 2008 já ganhou respeito do público e da imprensa internacional (com notas médias acima de 91 pontos), estando já posicionada no TOP 10 de produtores boutiques do Chile.


Tenho provado e selecionado 3 rótulos para o site de e-commerce do qual contribuo na curadoria de vinhos (Selo Reserva) e achei interessante compartilhar as minhas impressões por aqui também. Confira a seguir.

Locura 1 Chardonnay 2013:



Procedente de vinhedos do Valle de Colchagua. O vinho passa 12 meses em contato com as borras (Sur Lie) e uma pequena parcela matura em barricas de carvalho para adicionar complexidade e estrutura. Muito prazeroso. De cor amarelo palha com reflexos esverdeados, tem aromas de baunilha, flores brancas e fruta fresca (pêra, banana, pêssego) e nozes. Na boca tem um corpo médio, mas de bom volume, muito macio e untuoso. Boa complexidade e acidez refrescante levam para um final amanteigado e com notas minerais. (DEC 93)









Clos dês Fous Subsollum Pinot Noir 2012:



Blend de uvas procedentes de Valle de Aconcagua e Malleco. Não espere um pinot em estilo Borgonha, pois nitidamente estamos diante de um vinho com características de Novo Mundo, mas certamente é bem interessante. A cor é mais extraída para a média da casta, indo para um rubi escuro, mostrando de cara mais corpo. O nariz traz aromas de flores de campo e notas doces de fruta madura como morango, cereja e groselha. Já na boca mostra outra face, sendo um pouco mais “sério”, com alcaçuz, cassis, e especiarias em destaque, boa acidez e taninos redondos, para um conjunto geral bem harmônico. O leve toque de amargor no retrogosto o torna perfeito para gastronomia. (RP 91)








Clos de Fous Grillos Cantores Cabernet Sauvignon 2011:





Com 4 anos de vida está hoje em sua plena forma, mostrando caráter e complexidade. Cor rubi intenso, tem nariz de violetas cereja madura, cassis, pimentão, eucalipto e um leve toque animal. Corpo médio, boa estrutura e volume, com excelente acidez e taninos numerosos, mas bem domados. O final de boca re-propõe as sensações aromáticas acima, pedindo para mais um gole. (RP 91) (DES 91)











terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Best of 2015!


Com um pouco de atraso, vamos conferir a nossa habitual lista dos melhores vinhos provados ao longo dos 12 meses passados. A lista é, como sempre, formada por apena um rótulo. Como não canso de falar, se quisesse escolher os 10 (ou mais) melhores vinhos do ano seria certamente injusto, primeiro porque entre os mais de 1800 vinhos diferentes provados em 2015 (de acordo com o meu Vivino) provavelmente acabaria esquecendo de alguns, e também não seria fácil ter um critério de avaliação para definir e distinguir entre, digamos, o 5º e o 6º lugar, por exemplo. Portanto o meu TOP10 (ou 100) se reduz a apenas um vinho, que também não necessariamente seja o melhor, mas trata-se apenas do primeiro que vem a cabeça; o rótulo que de qualquer forma criou uma experiência e uma lembrança digna de destaque.

O vinho em questão é o Château Haut-Brion 2004.



Eu sei, pode parecer meio banal, um premier grand cru classé de Bordeaux ganhando sobre todos..Mas ao longo do ano tenho provado (thanks God!) vários vinhos da mesma estirpe. Para você ter uma idéia, pouco antes tinha bebido um Margaux da mesma safra diretamente no Chateau, já este foi uma prova de uma maquina Enomatic, num wine bar de Bordeaux*. Inclusive em seqüência, logo depois deste mesmo rótulo, provei um Latour 1994 e um Angelus 2012. Mas este Haut-Brion, acredite, me emocionou.


O vinho é o único entre os 5 premier grand cru classé que não pertence a região de Medoc (agora sei o porquê), sendo localizado ao sul de Bordeaux, na denominação de Pessac-Léognan, região vinícola de Graves. Não consegui visitar a vinícola, mas tirei umas foto na porta ;-) 




Difícil de descrever esta belezura tamanha complexidade e elegância, os aromas dançam sem interrupção dos primários aos terciários, na boca pura seda, mas com enorme estrutura, grande finesse e harmonia única entre fruta, álcool, acidez e taninos. Pronto já agora dá para guardar na adega para mais uns 30 anos. Coloque a seu gosto todos os adjetivos positivos e mande em loop. 

Feliz ano novo a todos os leitores e amigos do Mondovinho!

* Provei o vinho em questão num espaço que era uma mistura entre loja, wine bar e galeria de arte, chamado Max Bordeaux, no centro da cidade. A decoração entre clássico e moderno e o amplo espaço são convidativos. Fiquei um bom tempo conversando sobre vinhos com um preparadíssimo e competentíssimo vendedor canadense. Fica a dica