terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

O jardim secreto de Bordeaux



É assim que se define o Domaine de Chevalier, por estar localizado em uma clareira no meio de uma floresta que protege as videiras de temperaturas extremas.

Grand Cru Classé de Graves, o château fica em Pessac-Leognan que apesar de ser terroir de grandes tintos (Haut-Brion lhe diz algo?) é certamente área de destaque para os brancos de Bordeaux.

A vinícola funda suas raízes no século 17, quando era chamada de Domaine de Chivaley, que significa cavalheiro em antigo gascão, dialeto franco-catalão (a vinícola faz fronteira com uma antiga trilha que os peregrinos usavam – e ainda usam - rumo a Santiago de Compostela), mas foi em 1865 que nasceu oficialmente o Domaine de Chevalier. Em 1983 foi adquirido pela família Bernard, principal negociant de Bordeaux, que logo começou a ampliação e modernização da propriedade. A partir de 1986 foram plantadas vinhas mais jovens que deram vida ao segundo vinho da casa*, o L’Esprit de Chevalier.

Degustamos aqui o L’Esprit de Chevalier Blanc 2013 e devo dizer que foi um vinho muito marcante. Blend como de protocolo de Sauvignon Blanc (70%) e Sémillon (30%), que matura por 18 meses com suas borras em barricas de carvalho (35% novas).

O nariz muito intenso e complexo de eucalipto, manjericão, limão, abacaxi, maracujá com aromas minerais tipo pedras molhadas e giz. Na boca muito puro, com ataque fresco e final macio, confirmando o perfil aromático, sustentado por uma linda tensão ácida. Com 5 anos de vida, ainda vai longe.

Uma bela compra por cerca de R$ 170 (na Wine)

* A vinícola produz hoje 2 ícones (tinto e branco)e 2 segundos vinhos (tinto e branco).



quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Existe terroir para cerveja?


A cerveja está em alta, e nesta época de Carnaval o consumo vai subir ainda mais, então me parece apropriado recorrer para a nossa coluna MondoCerva e voltar a falar em breja. 

Mas para isso vou pegar emprestando um interessante tema enófilo: o do terroir. Pois é, o termo mais usado e abusado no mundo do vinho, bandeira de qualquer produtor, enólogo, sommelier, vendedor e apreciador; aquela palavra intraduzível que na verdade é um conceito que envolve condições naturais físicas e químicas, área geográfica e clima de um determinado território e relativa capacidade de conferir as próprias características (por meio de aromas e sabores) para um vinho.

Ok, mas será que isto se aplica para cerveja também? A resposta é menos óbvia do que parece. O raciocínio sugere que não, afinal para produzir uma cerveja basta seguir uma “receita”, que é reproduzível em qualquer lugar do mundo. Ou seja, se você seguir as instruções à risca, vai poder fazer uma dunkel na sua casa exatamente como as de uma cervejaria de Munich. Neste caso a diferença será resultante da experiência e da mão (que você não tem) de um mestre cervejeiro alemão que trabalha nisto há décadas.

Todavia existem vários fatores em que a área de produção vai impactar mais ou menos diretamente no resultado final da cerveja.

1) Primeiramente a água. Ma como assim? Água é água, vai me dizer. Claro que não: a composição química da água incide tanto na fase de produção tanto no gosto do produto final. Algumas cervejas são tão únicas justamente porque produzidas com água especifica. Isso graças aos vários minerais presentes que têm a capacidade de enaltecer ou esconder algumas características gustativas. Um exemplo são as pils tchecas, que devem muito da sua especificidade a uma água pobre em elementos dissolvidos.


2) Em segundo lugar temos malte e lúpulo, em que solo e clima não exercem a mesma influência que na uva. Mesmo assim o relacionamento entre território e lúpulo é ainda um mundo a ser descoberto e na Europa estão sendo estudadas algumas variedades de lúpulo autóctone, de cepas selvagens, e suas correlações com a produção de cerveja. Em breve saberemos mais a respeito.


3) E para finalizar, além de água, levedura, malte e lúpulo, muitas cervejas são feitas com adição dos mais variados ingredientes, como especiarias, flores, fruta (até uva mesmo), etc. que são produtos típicos do território. Aí que a procedência vai fazer toda a diferença: por exemplo, uma cerveja produzida com um limão daqui não será a mesma se produzida na Sicília com um limão local e daí por diante.

Isto abre espaço para infinitas versões e interpretações até da mesma fórmula.

Cheers!



quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Vamos para mais uma casta exótica?



Se escreve Сапера́ви, se pronuncia Saperavi. Esta uva tem origem na Geórgia (praticamente lá, onde tudo começou), mas é cultivada também em: Bulgária, Moldávia, Crimeia, Armênia, Turquemenistão, Tagikistão, Azerbaijão, Uzbequistão e outros países que uma vez formavam a União Soviética. Em pequenas quantidades se encontra também nos EUA e Austrália, e está sendo cultivada até no Brasil, mas por enquanto ainda em forma experimental.

De maturação tardia, é uma uva tintureira, daquelas que dão cor ao vinho. A palavra “saperavi” em dialeto georgiano significa justamente “tinta”, “corante” e tem a particularidade de ser uma das raras castas que apresenta cor vermelha até na polpa.
Uma curiosidade em mérito é que, enquanto hoje é usada para acrescentar cor aos vinhos mais claros, no passado (quando a tendência era de tintos mais “pálidos”) a casta era cortada com uvas brancas para que os tintos resultantes pudessem ficar menos escuro.

O Saperavi em prova aqui (na verdade já tinha degustado uma vez anteriormente, numa prova de dezenas de vinhos exóticos, mas desta vez pude avaliar este com mais atenção) vem da Ucrânia é o Shabo Classic Saperavi 2014.

A vinícola Shabo (que já conhecemos aqui), talvez a mais importante do país, fica localizada na região de Odessa, o melhor terroir para vinhos finos da Ucrânia.

É um vinho encorpado, quase carnudo, macio e complexo. As sensações em destaques são de chocolate, alcaçuz, cereja, mas também tabaco, couro, amêndoa tostada, derivantes do estágio em madeira. Os taninos abundantes e saborosos são acompanhados por uma brilhante acidez, num conjunto muito prazeroso que leva para um final balsâmico.

Mais um ótimo vinho trazido pela importadora Winelands (a venda no site por R$ 127), que em matéria de rótulos exóticos é simplesmente imbatível.


Vinhedos da Ucrânia





quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Um varietal de Arinarnoa!

Antes de provar este vinho eu só tinha provado a uva Arinarnoa em corte (especificamente com cabernet sauvignon, no Vinhetica Terroir de Rouge, vinho que o meu amigo francês Gaspar Desurmont produz com maestria no Brasil) e quando fui presenteado com esta garrafa de Casa Valduga Identidade Arinarnoa 2014 fiquei bastante curioso e intrigado com o resultado.

A casta, de origem francesa, é pouco usada até por lá. Aliás, sua paternidade de fato seria basca, pois a uva foi criada em laboratório pelo basco Pierre Marcel Durquéty, mas é considerada francesa por ter sido realizada no Institut National de la Recherche Agronomique de Bordeaux em 1956. A uva foi obtida cruzando Merlot com Petit Verdot, mas há outros estudos que afirmam que na verdade se tratava de Tannat com Cabernet Sauvignon. Na dúvida digamos que eu ficaria com a primeira opção (mas fiquem à vontade em me desmentir), por 2 motivos:

 1) é o que exatamente declama o contra-rótulo do vinho (se não sabem eles que o produzem, eu é que vou saber?)
 2) Siga este simples raciocínio:
Em idioma basco a palavra “arin” significa “leveza”, algo agradável e versátil, já a palavra “arnoa” significa “vinho”, ou seja, o seu autor, juntando as duas palavras quis justamente indicar uma casta que originaria vinhos leves, versáteis e agradáveis. Pois bem, se eu pensar num cruzamento entre Tannat e Cabernet Sauvignon a primeira coisa que vem a minha cabeça não seria certamente um vinho leve, já seria mais provável um resultante de Merlot com Petit Verdot. Mas não sou técnico e fiquem à vontade em me desmentir novamente.

De qualquer forma este exemplar se encaixa perfeitamente na definição do cruzamento de arin com arnoa. O vinho mostra leveza aliada a uma discreta complexidade, fruta silvestre no nariz (com notas de tabaco), acidez muito boa, taninos aveludados e um final que entrega algumas especiarias. Justamente versátil tanto para acompanhar pratos leves, quanto para alguns mais estruturados. E bem agradável.

O Arinarnoa Identidade vem da Encruzilhada do Sul, Serra do Sudeste Gaúcho, matura por 8 meses em barricas de carvalho francês e mais um ano em garrafa na cave. Não me perguntem o preço, porque foi um grato presente do meu amigo Tom Meirelles, que agradeço aqui publicamente.