quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Quanto custa comer e dormir nas vinícolas de Bordeaux

Visitar Bordeaux deveria ser se não uma obrigação pelo menos um objetivo, uma meta que qualquer enófilo digno deste nome deveria se impor. Centro de gravidade para todo o vinho francês, é pátria de alguns dos vinhos mais badalados e requisitados do mundo. Nós visitamos em 2015 e foi incrível (confira aqui algumas das visitas).

Hoje a cidade hospeda também La Citè du Vin, espetacular museu futurista em vidro e alumínio que conta em high-tech a história do vinho. Além de mais a cidade é linda (com seu centro histórico Patrimônio da Humanidade, tombado pela Unesco) e já foi eleita melhor destino da Europa pela sua exuberante vida cultural, que inclui obviamente boa gastronomia  combinada com belos vinhos.
Pessoalmente me hospedei na cidade e ia cotidianamente às nas áreas das melhores denominações, mas também há diversas opções para quem quiser ficar diretamente dentro das vinícolas, em suntuosas residências rodeadas por vinhedos e esquecer da vida. Então, com a ajuda de Bloomberg  vamos aqui listar umas possibilidades.

Château Pape Clément
Um dos primeiros a investir em enoturismo nos chateaux foi o Bernard Magrez (um dos maiores nomes do mundo do vinho, diga-se de passagem). Só em Bordeaux ele possui 3 propriedades (e muitas mais mundo afora), onde é possível reservar um quarto, jantar, assistir a palestras, participar de harmonizações com caviar, fazer um tour na cidade de Rolls-Royce com motorista particular ou por cima dos vinhedos em helicóptero.
A mais bela fica em Pessac e, o famoso Pape Clemant: castelo neogótico (já residência do Papa Clemente V) rodeado por vinhedos, tem um jardim com oliveiras milenar, uma estufa desenhada nada menos que por Gustave Eiffel e pavões majestosos que circulam livremente.
Você pode ficar em um dos seis quartos ricamente decorados, cercado por lindas pinturas e vistas deslumbrantes, tomar café da manhã com o mel produzido pelas abelhas do castelo, um mordomo estará à sua disposição para organizar o jantar no restaurante com 2 estrelas Michelin do famoso chef Pierre Gagnaire  na cidade para comer o famoso ravioli de foie gras com ruibarbo defumado ou um jantar harmonizado no próprio chateau.

Preços: quarto duplo de 200 a 405 euros; uma estadia de três dias (duas noites) com um jantar no castelo e uma no restaurante Pierre Gagnaire custa 1.150 euros por pessoa



Château Siaurac
Para um almoço no fim de semana vá para a comuna de Lalande de Pomerol. Ali o François Pinault, mesmo proprietário do Chateau Latour reformou a vinícola, o castelo e os vinhedos do Siaurac. A sala é enriquecida por uma fascinante coleção de quadros e de cartas escritas por famosos artistas e músicos e ali pode se deliciar saboreando um carpaccio de dourado e melão ou um prato de cordeiro aromatizado com tomilho acompanhado pelas melhores safras do tinto ícone da casa. Depois da refeição pode andar pelos lindos jardins, jogar petanca ou pegar o carro e chegar à mítica cidade medieval de St. Emilion para jantar no novo restaurante de propriedade do Chateau Angelus, o Logis de la Cadène, que abriu em 2015 e já ganhou uma estrela Michelin em 2017.

Preços: Jantar para dois e uma noite no castelo, € 396; só almoço ou jantar, € 64 mais vinho



Château Troplong Mondot
Sempre na área de Saint-Emilion, um Grand Cru Classé da região. Nos meses mais frios a aconchegante sala de jantar do restaurante estrelado Michelin é perfeita com sua lareira em madeira esculpida, mas nos dias mais quentes não há lugar melhor que a varanda com as plantas de lavanda com vista para os vinhedos.
No cardápio, terrine de escargot  com trufas, peito de pombo (pigeon) com pistache grelhado ou bacalhau selvagem em rúcula. A lista de vinho inclui também rótulos que não são do Chateau, mas a pergunta pra mim é: por que?
Se quiser pernoitar há 6 quartos disponíveis em estilo rural, sendo os mais charmosos dentro de uma fazenda de campo toda em pedra no meio dos vinhedos.

Preços: 3 opções de menu fixo de almoço e jantar de 60, 85 e 150 euros mais vinho. Quarto duplo de 160 a 370 euros.


Château La Dominique
Se voce adora arquitetura moderna não pode perder este Chateau com as paredes exteriores formadas por laminas de aço vermelho que contrastam com a vegetação circunstante. Seu restaurante La Terrasse Rouge, é o mais badalado do momento. Informal e barulhento, muito frequentado pelos enólogos da região, oferece comida com preços de simples bistrot numa sala ampla e com mesas compridas.
Melhores pedidas são as ostras, os frios e o l’entrecôte grillé com batatas fritas para saborear possivelmente no deck cobertura onde o piso é formado por cacos de vidro vermelho lembrando bagos de uva. Ali pode degustar uma ampla variedade de vinhos franceses e comer com a vista do telhado florido do vizinho, o lendário Château Cheval Blanc.

Preços: almoço clássico 28 euros; almoço ou jantar gourmet 39 euros


Château Cos d’Estournel
Já para a sua visita de mil e uma noites tem que ir até Saint-Estèphe para o Château Cos d’Estournel. A mais exótica vinícola de Bordeaux é um castelo decorado com pagodes, sinos e um pátio protegido por elefantes de pedra. Você pode se hospedar diretamente na mansão privada do proprietário, composta por 6 quartos e com uma equipe de 6 pessoas a sua disposição. A brincadeira vai lhe custar apenas 20mil dólares por noite, mas a boa noticia é que você pode levar mais 15 pessoas e rachar o custo final.
Os quartos mantêm o estilo asiático do castelo, com portas esculpidas de Rajasthani, banho turco (hammam) com piscina coberta e sala de jantar decoradas com estampas chinesas.
Um chef privado faz comidas com base no que ele encontra no mercado local, sutilmente harmonizado com o famoso Grand Cru Classé da propriedade que também produz brancos sensacionais. Prove a fricassee de lagosta azul em molho de Sauternes, o caviar local d'Aquitaine e a suculenta costela de cordeiro.
No entanto o sempre atencioso staff vai organizar os seus tours pela região e degustação das safras mais raras do grande Bordeaux.
No começo deste ano um americano de 30 anos reservou o Chateau inteiro para pedir a namorada em casamento. Estranhamente ela aceitou.
All’inizio del 2017, un americano di 30 anni ha prenotato il castello per chiedere la mano alla fidanzata. Che, neanche troppo stranamente, ha accettato.

Preços: 20,000 dolarés por noite.




Veja também:

Conhecendo de perto o mito: Château Margaux

Visita ao Château Figeac, Premier Grand Cru Classé de Saint Emilion

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Polêmica! A ignorância faz mais danos do que leveduras e sulfitos

Este post do enólogo e professor Umberto Trombelli (não um qualquer, mas um que, por exemplo, trabalhou por 20 anos junto com Giacomo Tachis no Sassicaia) deu muito o que falar na comunidade enológica italiana. O tema é sempre polemico: vinho natural vs. vinho convencional. Já abordamos o assunto (aqui e aqui), mas uma coisa é a minha ou a sua opinião, outra é a voz de um respeitado profissional internacional. Portanto resolvi trazer aqui a discussão traduzindo os pontos chaves e pra mim mais interessantes da publicação, dividindo os argumentos em parágrafos (o post é longo), para avaliarmos melhor a questão juntos.
Lá vai:




A ignorância faz mais danos do que leveduras e sulfitos

Defeitos
Em meus 30 anos de atividade de enólogo consegui aprofundar as técnicas de produção para vinhos de uvas cultivadas de forma orgânica, biodinâmica ou convencional; em vinhos sem sulfitos adicionados, sem leveduras selecionadas, em vinhos definidos “industriais” e vinhos comercializados com sedimento em garrafa. Considero a minha uma boa experiência, mas não me sinto nem satisfeito nem realizado, pelo contrário, sou totalmente apaixonado por este trabalho que continuo a ler e estudar porque tem muitas lacunas que a ciência ainda não sabe explicar nas reações químicas da fermentação e conservação dos vinhos.
Dói-me ver que a enologia é criminalizada em geral por aqueles que de enologia não sabem coisa nenhuma. Como enólogo fico feliz em ouvir finalmente que entre os produtores de vinhos naturais os defeitos estão sendo reconhecidos por aquilo que são: falhas. Os defeitos não expressam um terroir, mas sim o degradam. 
Muitos, no entanto, inclusive formadores de opinião badalados, os exaltam e fazem do defeito um ponto de força para descobrir novas estrelas em ascensão. O defeito é reconhecível em qualquer lugar, ou seja, além de ser um caráter degradante é também homologador.  Nos anos foram “endeusados” vinhos que um produtor engarrafava sem nenhum controle, assim que você comprava um vinho que tinha feito uma maloláctica na garrafa ou uma segunda fermentação por causa de um açúcar residual esquecido: ai de fazer alguma crítica, senão você era considerado um ignorante e incivil. Paradoxo dos paradoxos.


Leveduras
Embora eu concorde que defeito é defeito, não posso compartilhar o conceito que um vinho para ser original e se reconhecer em um terroir deva ser produzido sem uso de adjuvantes e/ou aditivos. Admito que em vinhos produzidos em grandes quantidades exista um uso exagerado. Porém se alguém tentasse aprofundar o Bê-a-Bá da biologia, da química e de todos os fenômenos que estão por trás de um vinho, talvez estivesse mais disposto a admitir que o motor biológico da vinificação tem que ser guiado pelo homem.  
O uso de leveduras selecionadas, aquelas identificadas como rápidas e seguras para ativar a fermentação, o uso de bactérias malolácticas (talvez obtidas a partir do armazenamento na adega do ano anterior), o uso de sulfitos de modo correto e não invasivo, não é ruim. A barrica geralmente tem um propósito: refinar, limpar e estabilizar naturalmente o vinho; não moldá-lo sobre um gosto de madeira!
Estas são todas técnicas e ferramentas que o homem desenvolveu ao longo dos séculos para melhorar e tornar desfrutável o vinho no tempo.  Não vejo nada de errado nisso, pelo contrário, o considero a maneira ideal para valorizar um vinho em uma área, desde que se trabalhe com a contribuição de viticultura cuidadosa e bem direcionada, em uma ligação indissolúvel.


O desafio é se firmar num mercado mundial ligando o vinho ao próprio território, junto com a própria história e patrimônio gastronômico e cultural. Reduzir o problema pensando que as leveduras selecionadas são um fato negativo é enganoso e contraproducente. Se por um lado é verdade que foram selecionadas cepas de leveduras que acabam generalizando o bouquet de um vinho, por outro lado também é verdade que existem muitas outras que são apenas bons fermentadores, que não afetam as peculiaridades originais das uvas.
A escolha é ampla. Pensemos por um momento sobre o que seria hoje a produção de Champagne (ou de espumantes de qualquer área do mundo) se não houvesse leveduras selecionadas: elas foram especificamente selecionadas para alcançar esse resultado enológico e sem distorcer, pelo contrário, para valorizar os produtos.
O que dizer de como se selecionam na vinícola as leveduras chamadas “espontâneas” que fermentam os mostos de alguns produtores “naturais”: são micro-organismos que vivem em quiescência em suas adegas (não em suas vinhas!), despertam em contato com os mostos, se espalham ao longo da colheita e depois retornam, alguns, novamente dormindo. Numa adega não há uma levedura única que começa e termina sozinha um processo de fermentação, nem mesmo a selecionada consegue.
Por acaso, quem afirma o contrário já fez pesquisas microbiológicas para entender quais são os agentes de levedação deles? A eles eu posso dizer que, se investigassem os mapas genéticos dessas cepas "nativas" descobririam que essas leveduras também são comercializadas e vendidas como bons fermentadores; encontrariam o comum Saccharomyces Cerevisiae, o micro-organismo pertencente ao mundo vegetal, um fungo, o agente de fermentação. E também encontrariam leveduras "não boas", "perigosas", não porque sejam monstros, mas porque em certas condições ambientais elas preferem “comer” outras coisas além de açúcares, e esse é um problema, um defeito 9 vezes em 10. Eles descobririam simplesmente que o que eles dizem é sem fundamento.


Sulfitos
Eu provei a vinificar uvas e maturar vinhos sem uso de sulfitos em várias safras. O que conclui é que dá para fazer, mas com resultado qualitativo sem personalidade. Por efeito oxidativo os perfumes se perdem tornando os vinhos menos significantes que os tradicionais. Hoje não existe uma técnica que permite produzir vinhos de alto nível, especialmente de guarda, sem uso deste complexo aditivo que atua como anti-séptico, conservante e estabilizador. A que preço então? Porque se você realmente quiser evitar o uso, terá que usar outros aditivos como taninos, taninos e taninos. E quanto aos vinhos brancos sem o uso de sulfitos: socorro!
Verdade, os sulfitos adicionados são incômodos, tóxicos. Mas se usados de maneira cautelosa não são tão danosos assim. Os limites estabelecidos pela lei vão diminuindo, mas no momento não é possível abrir mão deles. Aos contestadores eu gostaria de perguntar se compra e consuma crustáceos, mostrada, molhos em geral, picles, comida em conserva, etc. Já se perguntou quantos sulfitos existem na comida industrializada? Fácil demais falar sem saber!
Por que devemos sempre pensar que a pesquisa, o estudo e o fruto destes trabalhos são perigos, especuladores terroristas que querem envenenar o próximo?


Eu sou um enólogo e tento valorizar ao máximo os vinhos de meus clientes trabalhando nas peculiaridades das uvas que produzem em um território específico. Eu uso poucos aditivos e só quando for necessário. Apesar disso, não é possível encontrar uma identidade comum entre todos os meus vinhos, e não para isso acho que sou um "alquimista": acho que sou apenas um bom "piloto" que usa as técnicas que a ciência me dá para desenvolver bem meu trabalho.

Vinhos simples
Não existem só vinhos famosos, há também os mais simples, para o dia-a-dia. Os vinhos simples não são venenos! São vinhos obtidos a partir de uva! Os mostos são vinificados com técnicas modernas e confiáveis usando também aditivos alimentares autorizados. E dai? Deveríamos abandonar este mercado? Deveríamos dizer a milhares de operadores de mudar de emprego só porque alguém que não conhece e não se informa pensa que estamos fazendo algo inaceitável? Que estão buscando um negócio contra a natureza?  
Absurdo! O vinho deve ser considerado em todas as suas variantes qualitativas e comerciais. Se a tecnologia nos permite conter os custos e serem competitivos nas faixas de preço baixo não há nada de errado com isso. Há espaço para todos no mercado e nosso objetivo deve ser sempre melhorar. Fazer uma guerra por um punhado de leveduras parece-me uma maneira de querer procurar um bode expiatório que não responda a questões importantes.

Umberto Trombelli



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sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

O verão e o "problema" da temperatura do vinho

O ano novo chegou e com ele o verão (nestas latitudes). Com o aumentar do calor os eno-chatos ficam ainda mais chatos com as temperaturas das garrafas, se perdendo em minúcias que tornam o prazer de beber mais parecido com uma burocracia de cartório. Usar o termômetro para medir na fração do grau, discutir sobre os 10 graus dos espumantes, 12 para os brancos jovens, 14 para os brancos de meia-idade, 15 para os brancos aposentados, ou esperar baixar a temperatura da garrafa de mais 0,6 graus antes de abrir: todas práticas para eno-maníacos.

A realidade é muito menos complicada. Aqui já publicamos uma tabela com as temperaturas de serviço sugeridas para cada tipologia, mas são justamente sugestões e obviamente nada para tirar ao pé da letra. Se você gosta do seu vinho mais gelado ou mais quente não há problema algum. Claro, tampouco sem extrapolar. 

A verdade é que basta ter um pouco de sensibilidade e elasticidade mais umas 2-3 noções de base. As seguintes:

1) Para os vinhos brancos vale mais o gosto pessoal que as clássicas tabelas de temperatura de serviço. Se você gosta de um Pinot Grigio gelado, beba-o gelado. Apenas tenha presente que quanto mais o branco for jovem e simples mais tolera as baixas temperaturas. Do lado oposto, um branco complexo e maduro se expressa melhor em temperaturas menos rígidas.  

2) Para os vinhos tintos, especialmente no verão, você pode tranquilamente optar para uma temperatura mais fria, sem medo de parecer ignorante com o sommelier que está te olhando com ar de desaprovação. A única coisa que pode atrapalhar é o conteúdo de taninos, os responsáveis por aquela sensação de adstringência que seca a boca. A regrinha de base: a temperatura baixa acentua a adstringência dos taninos, já a alta acentua o álcool. E também vale a regra da complexidade/maturidade. Portanto se o tinto não for muito tânico ele pode ser servido mais frio sem problemas. Já com um tinto maduro e complexo a temperatura poderá ser mais elevada.

3) Finalizando, com uma generalização um pouco grosseira mas eficaz: todos os vinhos de sobremesa têm que ser servidos frescos e não frios demais. Apenas os mais leves e frutados, como alguns Moscatéis, por exemplo, se dão bem em baixas temperaturas.

Já se você ainda não leio a matéria sobre como esfriar rapidamente a sua garrafa de vinho, clique aqui e seus problemas estarão resolvidos!